sexta-feira, março 04, 2011

o botão assassino volta a matar

ora aí está, voltei!! não tão rápido quanto tinha estimado, mas depois de uma lembrança do tio mexicano, cá estou. e não venho sozinha. trago o botão assassino, uma das personagens a quem demos vida no atelier de escrita criativa. este é o meu botão assassino:


Era uma vez um botão assassino… que vivia, sem levantar suspeitas, bem colado à sua casa. Tinha-se mudado há duas semanas para aquela loja de roupa em segunda mão. Ali, no meio das camisas bafientas, nenhum botão, fecho ou colchete sabia das suas façanhas. O enorme botão redondo com o centro de metal vivia no topo de um sobretudo de fazenda, bem perto do cruzamento entre a cabeça e o corpo, em frente ao pescoço. À noite, o emblema bordado na camisola dentro do sobretudo tentava meter conversa.

- Então, redondo, que tal vai isso?

- Tudo ótimo.

- Que vês aí de cima?

- Nada de mais – atirou o botão. Um chapéu com penas barulhentas, dois cachecóis de ressaca.

- E no sítio de onde vieste, como é a vida? Eu cá tenho muitas saudades do mar. andava sempre ao peito de um capitão.

- Hum… Muito interessante – esquivou-se o botão. De onde eu venho, ninguém gosta de mim. Matei a minha dona, sem querer.

Um burburinho instalou-se rapidamente na loja.

- O quê? - espantou-se o vestido de noiva.

- Como? Como?

- Isso é mentira.

- Completamente impossível – sentcenciou o coletivo de calças.

Sapatos, calções e saias, todos comentavam, todos queriam saber. Um botão assassino? Era a coisa mais ridícula que já tinham ouvido.

- Aqui, as únicas peças com capacidade para matar somos nós – disse altivamente uma écharpe de seda. Cachecóis, lenços, gravatas e xailes todos concordaram

- É… até parece – disse o velho emblema náutico. O meu capitão beijava-me sempre antes de se fazer ao mar. Precisava da minha força para matar enormes polvos - explicou.

Até as riscas se riram.

- Ora douradinho, tu matas tanto como aquelas pantufas peludas que estão ali na prateleira – atirou a écharpe com escárnio.

- Mas conta lá, botão, o que faz de ti um assassino tão temível? – perguntou um cinto.

Tímido, o grande redondo escondeu-se na sua casa. Não queria mais conversa. Estava tão contente por estar naquela loja, depois de tantos anos naquela fantasmagórica mansão de mámore. Adorava a companhia dos brincos e colares. Entretinha-se a ouvir as estórias das bóinas e das shapkas. Os dias passavam com a pressa comum dos clientes. As noites, com as conversas descontraídas das t-shirts e das gabardines.

De manhã, ouviu-se entrar pela loja

- Bom dia.

- Bom dia. Esteja à vontade.

- Obrigada. Quero experimentar este sobretudo – disse a jovem loira. Tem um ar tão imperial. Adoro.

Imediatamente, o botão soube o que estava prestes a acontecer. Seria comprado, usado algumas vezes, empacotado durante os meses de verão.

- Nem pensar. Noutro armário, vou acabar por sufocar graças às meias de lã – pensou.

Ainda o botão pensava, já a moça despachada tirava o sobretudo da cruzeta. Enfiou o braço esquerdo, sentiu o peso da fazenda, depois o braço direito, aconchegou finalmente os ombros. Nisto, já o botão tinha desapertado a linha que o unia à fazenda.

- Não desgosto – constatou a rapariga.

- Mas desgosto eu – intuiu o botão.

Ela preparava-se para abotoar o casaco, começando pelo pescoço, apertar o botão para dentro da sua pequena casa. O botão deu um atlético salto, entrou para a boca aberta em exclamação e tapou a garganta da jovem.Mantendo-se firme, agarrado à epiglote, o botão estava disposto a morrer para matar.

- Acudam – gritou uma funcionária da loja que já agarrava a rapariga pelo peito. Com mestria fê-la cuspir o botão e tossir imenso.

Cuspido, molhado, no chão, o botão assassino ria-se para a echárpe de seda:

- Vês, minha querida? Isto é só uma amostra. Agora imagina o que eu posso fazer a uma mulher sozinha…

E sorridente, o botão recostou-se a apreciar o futuro que o aguardava. Daqui em diante, seria um botão respeitado. Já não passaria despercebido aos outros habitantes da loja. Mas certamente, ninguém o levaria em terceira mão.


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