segunda-feira, julho 09, 2007

conversas com uma desconhecida

há umas semanas atrás, a pedido da Brigite, respondi a um questionário sobe "participação associativa". este questionário faz parte do doutoramento em Psicologia a realizar na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, da Dr. Cláudia Múrias. Respondi prontamente ao dito inquério que enviei para a dita doutora.
ora dada a minha condição de licenciada/voluntária/não empregada nem desempregada foi-lhe complicado inserir-me num gupo de referência. esta situação despoletou uma troca de e-mails, a fim de lhe explicar a minha situação. deixo-vos agora com alguns destes e-maisl, porque acho que são bastante significativos e explicativos da minha situação na Estónia!
Além disso, sõ também um esboço do texto que estou a escrever para o Vitor e a Cristina (que poderão ver brevemente na Europe Boulevard)

"Cara Liliana Guimarães,

desculpe incomodá-la outra vez, mas fiquei com dúvidas ao introduzir o seu questionário no computador. É voluntária na Comissão Europeia pela Youth Union Sinn? Qual a actividade desta associação?

Fiquei com dúvidas ao agrupá-la. Não sei qual será o grupo experimental apropriado para a inserir.

Se me pudesse explicar melhor em que consiste a sua actividade principal de voluntariado, agradecia-lhe imenso.

Saudações académicas,

Cláudia Múrias"


"Cara Cláudia,

antes de mais peço desculpa pelo atraso na minha resposta. vou tentar explicar-lhe a minha situação "profissional".
Antes de mais, a minha formação académica dá-me o grau de licenciada em jornalismo. Apesar de ter trabalhado como jornalista num órgão local não o fiz durante o tempo suficiente para requerer a carteira profissional. Portanto, não sei até que ponto posso afirmar ser jornalista...

Neste momento, e até Dezembro, sou voluntária. estou tomar parte num programa da Comissão Europeia que se chama "European Voluntary Service", que se insere na política da Comissão para a juventude. esta política tem um programa designado "Youth in Action" onde se inserem várias actividades de educação não formal. fazem parte dessas actividades projectos profissionais, intercâmbios juvenis e o serviço voluntário europeu.

este último consiste em deslocar jovens de e para países da UE e parceiros. a CE financia viagens, alojamento, comida, seguro, formação linguística e um pocket money mensal (que não pode ser considerado como um salário), em troca de trabalho voluntário em várias associações das mais diferentes índoles.

ou seja, no meu caso, trabalho como voluntária numa organização de informação para jovens da comunidade russófona, em Tallinn, capital da Estónia. as actividades da minha organização de acolhimento - Youth Union Siin ou Mtü Noorteühendus SiiN- vão desde de projectos de jornalismo a intercâmbios, actividades promotoras de tolerância, democracia e cidadania europeia a clubes de debate e participação em parlamentos juvenis. Eu, como voluntária, ajudo no que é preciso desenvolvendo as mais diferentes actividades: dou workshops de jornalismo, fotografo para o jornal para onde os jovens escrevem notícias, preparo um intercâmbio internacional com a minha organização de envio e faço trabalho de secretariado.

Portanto, não sei em que grupo experimental me pode incluir (porque desconheço os grupos)... mas se tiver um grupo que se destine a voluntários será esse o mais apropriado. Não se pode dizer que esteja desempregada, apesar de não ter emprego. tenho uma ocupação principal não remunerada que é ser voluntária nesta organização. Não é que seja muito diferente de qualquer tipo de associativismo que tenha desempenhado antes, seja na Associação Académica de Coimbra ou na associação de jovens da minha cidade. A principal diferença aqui é que esta actividade é a minha única ocupação, não estando a estudar nem a trabalhar simultaneamente.
Apesar de receber dinheiro por este voluntariado a CE não o considera como um salário pois é uma quantia irrisória. serve para sobreviver e não para viver! todos os custos de estão cobertos pelo programa, servindo o pocket money (105 euros/mês na Estónia) para financiar experiências interculturais como viagens pelo país de acolhimento.

Espero que a tenha elucidado sobre a minha situação actual. Se lhe restarem dúvidas não hesite em contactar-me de novo. Se preferir alguma informação institucional pode encontrá-la no site da minha organização de envio http://www.vertigem-app.pt ou, em inglês, no site da UE http://ec.europa.eu/youth/program/sos/vh_evs_en.html. pode ainda encontrar informação no site da Associação Nacional de Ex-Voluntários Europeus http://www.aneve.pt/

espero ter sido útil. desejo-lhe a continuação de um bom trabalho

Saudações

Liliana"


"Cara Liliana,

deve estar a passar por uma experiência interessantíssima!!! Fascinante!

Diga-me só uma coisa: depois de pesquisar na net, percebi que o Youth Union Siin (tinha escrito Sinn, daí não encontrar referências), tem tb uma actividade política (naturalmente).
Daí, dadas as condições sócio-políticas da área onde está, sente-se a participar numa organização com participação política ou apenas com participação na área da juventude e da educação não formal?

A minha dúvida é essa! Se fosse cá era apenas uma organização juvenil, mas aí, na Estónia, dadas as condições actuais, é uma "organização política" ou não?

Dê-me a SUA opinião, a sua PERCEPÇÃO sobre o seu trabalho e sobre a importância
do trabalho da Y.U. Siin.

Boa Sorte e Aproveite Bem essa experiência!

Saudações e coragem!

Cláudia Múrias"


"Cara Cláudia,

Sim, é bastante interessante esta experiência!

Sim, a Siin tem uma actividade política, a meu ver. só o cariz da associação denota logo uma afirmação política! é uma associação de jovens russófonos. Aqui luta-se pela integração e contra a assimilação.
a comunidade russófona representa um terço da população estoniana. dez por cento deste terço não tem nacionalidade. não são estonianos nem russos, tem um passaporte cinzento onde está escrito: "Alien Passport/ Citizenship: XXX". a Siin trabalha pela integração promovendo a diversidade e a multiculturalidade.

Claro que muitas vezes, a meu ver, exageram na politização das questões. eu sinto-me a trabalhar numa organização com participação política. Pior, às vezes sinto-me uma arma política! Usada como prova da multiculturalidade e da diversidade, da abertura e da partilha.

Não sei se está ao corrente dos motins que aconteceram aqui no final de Abril. Foram várias as consequências para a organização, ainda que ninguém ligado à Siin tenha participado em actos de violência. na Estónia não se vive em plena democracia, há coisas muito cinzentas que me custam a engolir! daí que só tome parte em actos que não violentam a minha consciência. Manifestações pacíficas ou simbólicas são algumas das actividades de que tomei parte. mas por exemplo, escrever artigos de opinião sobre a situação da minoria russófona, para órgãos de comunicação internacionais já vai além das minhas competências e da minha vontade.

do meu ponto de vista, o objectivo principal da organização é a educação não formal e a integração dos jovens russófonos na sociedade estoniana. Obviamente que isto envolve afirmações políticas e tomadas de posição mediante decisões governamentais.
No entanto, como lhe será de fácil compreensão esta "luta" entre estonianos e russos não é minha e eu não tomo partido nela! Eu tento manter-me na confortável posição de observador, intervindo apenas quando considero que o assunto me toca directamente, enquanto cidadão europeia. Nã obstante, tenho a minha opinião formada e consolidada.

Obviamente, os jovens que fazem parte desta organização tem a sua posição política semelhante à restante comunidade russófona, aos valores transmitidos pela família e pelas instituições escolares (note-se que aqui há escolas russas e escolas estonianas). Claro que há os mais radicais e os mais moderados. Quando chegam a esta organização sabem ao que vêm, sabem que não vão apenas participar num projecto, mas que esse projecto tem uma orientação política: pró-integração da comunidade russófona na sociedade estoniana. eu não sabia. fui-me apercebendo e sofrendo choques culturais, uns atrás dos outros.

No entanto, estou muito certa que a comunidade russófona comete tantos ou mais erros que a comunidade estoniana, no que toca à integração e vida em conjunto. Apesar de me sentir culturalmente mais próxima da comunidade russófona não me é difícil compreender a parte estoniana.
No entanto, e como já fiz saber aos responsáveis da minha organização, esta "luta" não é minha. Eu interesso-me e preocupo-me, mas não tomarei parte em defender uma das partes que considero não agir 100% bem.
Por isso me é complicado dizer se tomo parte em actividades políticas. Tomo sim, quando estas são pequenas e de dimensão europeia. Quando se trata de actividades que focam unicamente as relações Estonianos/russófonos, reservo-me ao direito de não intervir.

Quando digo não intervier refiro-me a não estar na linha da frente, porque enquanto voluntária não posso negar trabalho. e faço tudo o que é preciso na preparação das acções, no trabalho de secretária. Não acho que isso me torne uma "vira casacas". Mas sinceramente, não consigo ir para a linha da frente lutar porque algo com o que não concordo a 100%. Não me importo, no entanto, de ajudar quem acredita.

Eu acho que o trabalho da minha organização é muito importante no espectro desta sociedade. Aliás estou certa disto. Não tivessem peso e nome aqui e não teriam sofrido consequências políticas no rescaldo dos motins (o ministério da Educação e o governo de Tallinn cortaram os financiamentos anuais, deixando a associação em maus lençóis). Estas consequências são actos anti-democráticos, para mim, inaceitáveis.
Estamos agora empenhados em resolver este problema.

Simultaneamente prosseguem os trabalhos com os jovens no âmbito da integração. Promovem-se vários jogos e encontros, debates e cerimónias entre as duas comunidades. Por exemplo, a organização de intercâmbio internacionais permite aos jovens estonianos russófonos ver como noutros países, diferentes comunidades vivem quase em harmonia. Acredito que este trabalho é muito importante para esta pequena
sociedade.
A Estónia tem um milhão e meio de habitantes. se um terço anda de candeias às avessas com os restantes dois terços o país nunca se poderá desenvolver de forma positiva! a Siin, como outras organizações, lutam pela integração, contra a assimilação e a discriminação. No entanto, muitas vezes, são os próprios russófonos que não se querem misturar, discriminando-se antes de serem discriminados. Esta é uma situação muito muito complicada, com décadas de problemas enraizados na cultura e na história. Em 16 anos de independência a Estónia parece não ter andado muito para a frente... mas com a entrada na UE, com a abertura das fronteiras, creio que será obrigada a aceitar estrangeiros, pessoas diferentes e hábitos diversos. Não é fácil ser diferente, neste país, isso eu sei por experiência própria. Por isso é que considero importante o trabalho desta e outras organizações. muito importante mesmo. Acredito que daqui a outros 16 anos seja mais tolerante esta sociedade e que ambas as comunidades tenham aprendido a ceder e compreender-se mutuamente.
até lá vamos trabalhando

Peço desculpa pelo longo mail, mas como deve compreender estas questões pautam a minha vida no momento. Por vezes é me muito complicado compreender e aceitar certas coisas. Se em Portugal tomo por garantidos os meus direitos, a minha liberdade e a minha segurança, aqui tomo por garantido que tudo pode acontecer! E é contra isso que trabalho. Em prol dos direitos humanos e da igualdade de oportunidades entre cidadãos europeus, sejam portugueses, russófonos, estonianos, finlandeses ou italianos!


Saudações

Liliana


PS - se em todo o mail usei russófonos em vez de russos é porque uma das principais questões deste problema para mim é exactamente este: a maior parte dos jovens que se dizem russos têm cidadania Estoniana. dizem-se russos pela herança transmitida pelos pais e pelas escolas. Muitos deles nem estoniano falam, mas é com o passaporte estoniano que viajam. Dizem-se russos e culturalmente são-no, mas muitos nunca foram à Rússia... Aprendem a língua russa, comem comida russa, envergam bandeiras na rua. Mas nada sabem sobre os escritores russos, sobre política, sobre história anterior à URSS. Isto enerva-me um bocado porque parece-me que se dizem russos só porque não querem ser estonianos.
Mas é compreensível que não queiram ser parte de um povo racista que não aceita a mudança e a diferença. Entendo que não queiram ser tomados como nórdicos frios que não sabem receber pessoas, porque os estonianos são assim e orgulham-se disso... é muito complicada esta situação...
L"


"Cara Liliana,

senti-me "orgulhosa" por ter confiado em mim neste desabafo tão intenso que teve! Não tem que pedir desculpa, eu é que tenho que Agradecer ter Partilhado comigo pormenores tão interessantes e importantes sobre o contexto em que está a viver. Sendo a Liliana tão jovem, tenho a certeza que essa experiência a vai marcar para sempre e, possivelmente, mudar-lhe o rumo de vida!

Sou licenciada em Psicologia, mas ao longo da minha formação pós-graduada tenho percorrido o caminho da Psicologia Social, logo, entendo e fascinam-me todas as relações, confituais e/ou pacíficas, de interesses entre grupos, grandes ou
pequenos.

Apesar de não me conhecer, terei todo o gosto em "ouvi-la" sempre que tiver
necessidade de exprimir o que tem sentido aí!!!

Já pensou em iniciar um blog para testemunhar e partilhar as suas vivências daí connosco? Teria muito prazer em divulgá-lo no meu www.justaposicao.blogspot.com.

Conte comigo em tudo o que precisar!!!

Com admiração,

Cláudia"



"Cara Cláudia,

Não nos conhecermos, mas parece-me que temos uma boa amiga em comum. e já sabe como se diz: Amigo do meu amigo, meu amigo é!
Não me custa, portanto, ter este tipo de desabafo. Aliás, mais que um desabafo é uma constatação, uma série de factos reunidos ao longo de 5 meses a viver em Tallinn.
Acredito piamente que este é um dos paraísos para psicólogos que se dediquem às relações sociais... há muita coisa por estudar aqui. as relações entre russos e estonianos, os casais mistos, a segregação nas escolas, os jogos de futebol, as diferentes maneiras de beber vodka, os filmes com legendagem dupla... acho que quase tudo dava matéria de estudo! Fica aberto o convite: Se até Dezembro quiser vir à Estónia, terei todo o gosto de fazer-lhe umas visitas guiadas!
Entretanto, eu já tenho um blog, desde antes de vir para aqui. www.4000kmaleeste.blogspot.com serve mais como um diário de bordo do que outra coisa. Assim, as minhas constatações sobre as formas de vida deste lado do Báltico estão misturadas com descrições de festas, viagens, fins de semana, etc. São relatos da minha vida aqui. Talvez uma boa companhia para
momentos mais parados...
Há desabafos e simples constatações, mensagens para os amigos, muitas fotografias... Quando não tiver mais nada que fazer, dê uma vista de olhos. lá colocarei a referência ao justa posição.
acho que vou publicar no meu blog o ultimo e mail que lhe enviei. porque agora é que em dou conta que não tenho muitos posts relativos às relações estoniano/russos

cumprimentos e votos de um bom trabalho

Liliana"

3 comentários:

Bottled (em português, Botelho) disse...

Cara miss lee,

E já foi agrupada ou nem por isso?

Quanto ao resto, limite-se a ser você mesma e a ser fiel aos seus princípios.

Cumprimentos vínicos long distance,

Hic Hic Hurra

Nota - A caríssima miss lee tem um blog??????? A sério?????? Tem de me dar o endereço, para que eu a possa comentar à doida, como é meu hábito!!!!!

Mexicano em Praga disse...

Foda-se que post grande como o caralho, passe a ordinarice!!

Mexicano em Praga disse...

Porra... pra proxima vez que andares na coscuvilhice com as tuas amigas, avisa-me tá...? :P