sábado, janeiro 28, 2012

apontamentoS



Apontamento
A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.

Asneira? Impossível? Sei lá!
Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.


Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.
Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada.
E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.

Não se zanguem com ela.
São tolerantes com ela.
O que era eu um vaso vazio?

Olham os cacos absurdamente conscientes,
Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles.

Olham e sorriem.
Sorriem tolerantes à criada involuntária.

Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?
Um caco.
E os deuses olham-no especialmente, pois não sabem por que ficou ali.


Álvaro de Campos, 1929

a minha alma partiu-se, como um vaso vazio, como um caco já partido. partiu-se ontem, quando olhaste para mim e olhaste e olhaste e os teus olhos sorriram. ou talvez não tenham sorrido e sejam só os meus a verem aquilo que gostariam. senti uma compulsão de chorar e escrever, enumerar as perguntas que tenho para te fazer, as coisas que ficaram por partilhar... mais chorar do que escrever, mas o meu cérebro não parou enquanto os dedos não materializaram. o coração, esse sim, quase parou. por que me olhaste assim? assim como quem está cheio de vontade, de sonhos, de disponibilidade? por que não falaste? por que é que os teus olhos brilharam, porquê?? que comoção foi essa que me pareceu ter te assolado? porra!! não posso enganar-me de novo, contigo, tanto. não é possível. eu vi! eu vi esse sorriso que ilumina tudo, que suspende o tempo e o som, que não diz, mas mostra. eu vi, porra. não posso estar assim tão enganada. ou posso. ou posso estar a andar em círculos, a imaginar, a ver unicórnios, posso. ou quero. não sei. queria pegar nesta compulsão de escrever e conseguir efetivamente escrever alguma coisa. um livro sobre tudo o que ficou cá dentro, à deriva. escrever, de enchurrada um apelo, uma carta, um poema. mas só me sai um "porquê". porquê, porra, porquê? se tenho mais sensações do que quando era eu, do que quando contigo era eu, cheia. então porque não consigo converte-las em texto, em entrelaçar de dedos? que se foda a compulsão de escrever. esse nem verdadeira é, pois se fosse eu conseguia dizer-te o que quero, de facto. ou pelo menos o que me fazes sentir. se fosse verdadeiramente eficaz, conseguiria até produzir uma resposta. mas como o texto que só está completo quando lido, este ficará para sempre incompleto, porque tu, mesmo que o leias, nunca chegarás ao impulso da escrita. esse eu acho que só to consigo mostrar fazendo sentir.
que se foda a escrita. fico com a compulsão de me afundar na almofada e rega-la de sal. essa ao menos, não engana. é o que é: fazer-te o luto, matar a esperança e dormir, como um bebé, cansada de tanto chorar.

terça-feira, janeiro 24, 2012

ai portugal, portugal

do pouco tempo livre que havia para escrever aqui pouco resta. Está a ser ocupado com um curso de cozinha em horário pós laboral. sim, eu gostava de ser filha de pai rico para poder largar tudo e dedicar-me a estudar produção e gestão de cozinha, a fundo e em horário laboral. gostava. mas como não sou e o euromilhões teima em não me sair, lá terei que me contentar com o pós laboral.
não desfazendo. o pós laboral traz algumas vantagens, como o chef deixar as tiradas à Ramsay para entre sorrisos e piscares de olho! outra vantagem é que como ninguém me conhece posso ser quem quero ser ou quem sou efetivamente. sem preconceitos, nem contextos, as ideias que vou fazendo das pessoas, e as que vão fazendo de mim, são construídas aula a aula, sorriso a sorriso, partilha a partilha. gosto muito disso.
a maior vantagem é talvez a turma, respetiva heterogeneidade e características. merecia um outro post sobre os diferentes backgrounds, expectativas em relação ao curso e postura na cozinha (as lâminas de 30 centímetros fazem qualquer coisa pelas pessoas, mas eu ainda não consigo nomear o que é!). gostava de usar algumas pessoas como personagens de contos, porque como sei tão pouco sobre elas, posso florear à vontade! e conhecer pessoas é sempre deixar cair preconceitos e ser surpreendida. e eu já tinha saudades disso.
ontem, no final do curso, quando chegava ao carro vi que um dos meus colegas estava na paragem de autocarro. como sou uma miúda muito simpática dei-lhe boleia! eu já tinha percebido que o senhor não é português, apesar de o parecer e de falar super bem! também já tinha percebido que é religioso ou assim foi educado porque não come porco. a partir daqui podia fazer, e fiz alguns, filmes sobre o passado e o presente do senhor, até o seu futuro! tento combater o preconceito e sigo.
então, na curta viagem que fizemos juntos ele lá me destruiu mais um ou outro e lá me surpreendeu!! depois de já ter viajado "por quase todo o planeta", como ele próprio disse, estabeleceu-se em Portugal. e a julgar pelo bem que fala deve ter sido há uns bons anos. e então, eis que o senhor me surpreende de novo. "Portugal é o melhor país do mundo", disse. disse-o e senti-o, porque mesmo quando o contra-ataquei com as dificuldades, a crise, o buraco, o desemprego e a falta de luz ao fundo do túnel, ele sorriu. e disse: "aqui é o único sítio onde posso entrar no autocarro e dizer: "então, o benfica jogou ontem" e ter sempre alguém que me responda simpaticamente".
é verdade. se no Porto as pessoas são simpáticas mesmo que o assunto seja o benfica, só posso concluir que o tuga gosta de falar nos transportes públicos, mais ainda se for com estrangeiros. mas ontem concluí também que se ainda há, eu sei que os há mas não os costumo encontrar, estrangeiros apaixonados por Portugal e que escolheram viver aqui e que mesmo estando o país na merda eles não abandonam o barco, então é porque ainda há uma réstia de algo especial nesta república das bananas. eu vou continuar à procura desse je ne sais quoi. para já, fecho o perímetro de busca à cozinha. estou a por à prova a minha hipótese: a maneira mais fácil de Portugal seduzir um estrangeiro é pelo bucho. até tese em contrário. afinal, do que é português, a cozinha deve ser mesmo o melhor!

segunda-feira, janeiro 09, 2012

da minha justiça

poucas coisas há que me enervem mais do que as injustiças. não, eu reformulo. há poucas coisas que me tirem do sério da maneira que as injustiças tiram. não. quando me sinto injustiçada espumo-me rápida e fortemente. assim, sim. há muitos tipos de injustiça e obviamente que têm diferentes impactos em mim.
crianças que morrem de fome ao mesmo tempo que crianças morrem entupidas de comida, não é justo, mas chateia-me pouco.
os madeirense terem que pagar os medicamentos na totalidade não me parece justo, mas chateia-me ainda menos.
agora, generalizações e desvalorizações de anos de trabalho com frasezinhas no facebook... isso irrita-me profundamente. tira-me do sério e leva-me a responder (bem ou mal, é outra questão), o que às vezes causa discussões (des)necessárias.
ainda estou para decidir o que me irrita mais: se o que as pessoas dizem (sem pensar nem pesar, sem querer nem saber), se a reação que eu deixo que provoquem em mim. esta última talvez. mas a questão aqui é que: irrita-me a facilidade com que se desvaloriza o trabalho de alguém, sem olhar a nenhum contexto nem consequência. irrita-me. demais.
as redes sociais são maravilhosas, sim. permitem comunicar com um ídolo de infância com a mesma facilidade que permitem criticar de forma destrutiva. ainda antes de qualquer tipo de comentário online, já eu cá andava para levar com as críticas e as bocas em cima. na boa. ao menos eram ao vivo e a cores, ainda que nem sempre fossem cara a cara. e isto era ótimo porque me permitia rebater e tentar convencer o meu interlocutor de que o meu ponto de vista tinha um fundamento e era mais verdade que o dele. ou, tantas vezes, me permitia fazer perguntas e ser alertada para algo que nunca me tinha ocorrido, ver doutra forma o que sempre me tinha parecido igual e até, às vezes, dar o braço a torcer. na maior parte das vezes permitia (e isto continua a acontecer) que se gerasse uma discussão profícua, com várias opiniões válidas e, no fim, um acordo, mesmo que esse fosse tácito e cada um ficasse com a sua razão.
acho que, no fundo, o que me irrita é que a internet não permita o fervor e os resultados de uma discussão ao vivo. irrita-me perceber que o que eu leio tem a entoação que eu lhe dou e que o que os outros leem também tem a entoação que lhe dão. e isso é só meio caminho andado para o mal entendido. o resto do caminho é feito com outros contextos nervosos, faltas de conhecimento, berros e outras histerias. pronto, irrita-me a facilidade com que se diz mal e a facilidade com que me deixo desestabilizar. irritam-me as generalizações, sobretudo as que levam a preconceitos (don't they all?), irritam-me as opiniões infundadas, as desvalorizações, as faltas de cuidado, de decoro... ai irrita-me tanta coisa!
que se desengane quem achar que estou para aqui a falar armada em santa. nada disso. já dei e vou continuar a dar porrada em muita coisa na internet. acho sempre que tenho razão e, geralmente, estou muito segura do que digo. também vou continuar a dar o braço a torcer, a ouvir/ler, a espantar-me. claro que vou. e até posso imaginar que algumas das postas que mando possam causar noutras pessoas as mesmas, ou até mais sentidas, reações que sucedem comigo. ok. eu acho que posso viver com isto.
eis que dou por mim chegada ao ponto de partida. fico mais irritada pelo que dizem ou porque me deixo irritar? porque me deixo irritar, claro. mas no fim de contas, isto é tudo sobre mim. sou eu a medida para o tamanho da irritação, seja qual for a fonte. quanto mais me diz respeito mais me enerva, obviamente. mas se quanto mais me enerva, mas eu escrevo sobre isso, então venham elas, que as aulas de yoga estão caras! venham as injustiças e as generalizações. que sejam um motor gerador de ação, que me levem a fazer, a atuar, a mudar. justiça me seja feita, posso ser muita coisa mas injusta tento não ser e injustiçada também não hei de.


NB: se alguém ainda estiver a pensar nas pobres criancinhas, que se escuse de criticar sem saber do que fala, sem saber eu faço para combater a minha irritação, ok?)

sexta-feira, janeiro 06, 2012

às vezes

Às vezes adoro morar em S. João da Madeira. é só às vezes, mas adoro mesmo. Não pelas qualidades que o presidente da câmara tenta vender aos jornais, mas pela indústria do calçado! Adoro quando os industriais do calçado, vulgo sapateiros, decidem abrir lojas de fábrica onde, apesar da esmagadora maioria das coisas ser minúscula, se encontram umas pérolas! é esta a parte que eu adoro! 20 euros por um par de botas em pele. produto local. local!!!! que se fodam boicotes ao pingo doce, que eu cá compro lá e aqui!!

bom fim de semana! eu cá, logo vou jantar com as amigas. e até nem tinha pensado mudar de roupa (shame on me!), mas agora... estas botas merecem sair à noite e apanhar um arzinho!!!

quarta-feira, janeiro 04, 2012

novo e bom ano novo

acho que nunca fiz resoluções de ano novo, daquelas que possam efetivamente merecer tal nome. vou fazendo uns planos, tendo umas ideias, nunca materializando. nunca materializando a formulação de resoluções de ano novo, porque os desejos, esses lá vou cumprindo. mas para 2012, quero muita coisa. muita coisa mesmo. coisas simples e palpáveis (algumas), não obrigatoriamente caras, mas que por algum motivo não compro logo que me apercebo que as desejo. por isso, decidi criar uma verdadeira wishlist. de mim para mim, mas como já aqui se falou, aberta à vossa participação. acho que vou recuperar alguns itens nunca recebidos nem comprados, vou adicionar coisas que não são tangíveis nem exequíveis. mas sobretudo, quero fazer assim: colocar aqui as coisas pelas quais vou dando falta no dia-a-dia. eu explico. anteontem quis cozinhar uma cena nova e precisei de uma balança. não tenho, fui pedir a uma amiga. hoje, li uma entrevista deliciosa ao Umberto Eco (que completa 80 anos amanhã e cujas declarações merecem todo um novo post) e fiquei com vontade de ler o seu penúltimo livro. não tenho, vou colocar na wishlist. e por aí fora... posso colocar as facas que quero, preciso e vou comprar no sábado. só para ter o gostinho de poder depois riscar da lista!!!
e pronto, agora vou fazer a wishlist, disfarça-la por aqui algures e já cá volto para vos falar do Umberto Eco, da sua narratividade e do fim de um paradigma. até já e bom ano novo!!