O texto que passo a transcrever (e que é da minha autoria "jornalística") rendeu-me um e-mail, elogioso, do senhor José Mário Branco. É seu intuito reproduzi-lo no jornal MUDAR DE VIDA. Foi com surpresa, espanto e algum orgulho que li e respondi ao e-mail. Ainda estou meia babada! aqui fica o registo
A greve feita por mulheres, na chapelaria, em 76
“Trabalho igual, salário igual”
No terceiro aniversário do Museu da Chapelaria celebram-se também os 32 anos de uma greve muito especial. “Trabalho igual, salário igual” foi o mote que levou as mulheres a fecharem a Empresa Industrial de Chapelaria durante dois dias.
A história foi contada ao LABOR por Deolinda Silva, 54 anos, antiga chapeleira. Tinha 22 anos quando, grávida de oito meses, liderou a revolta das mulheres mais jovens da fábrica. A Pequena, como era conhecida na altura, por empregados e patrões, conta a história das mulheres que queriam ganhar tanto como os homens.
Desde os 10 anos que Pequena trabalhava na costura, no acabamento. Conta que, nessa altura, “só mulheres trabalhavam no acabamento”, onde ganhavam 1900 escudos. Os homens, que trabalhavam em todas as outras secções de produção, algumas áreas pesadas e perigosas, ganhavam 2800 escudos.
Nas décadas de 60 e 70 “havia muito trabalho para a América, mas sem acabamento”, lembra Deolinda. “O trabalho na costura começou a fracassar”, então, no final da década de 60, início da década de 70, o administrador da fábrica “foi buscar as mulheres mais novas para fazer serviços de homem”. Ou seja, jovens como Deolinda, passaram da costura ou do acabamento, onde trabalhavam sentadas a colocar forros e fitas nos chapéus, para secções onde tinham que mexer em líquidos ferventes ou químicos e operar máquinas pesadas. “Era um trabalho mais porco, mais pesado”. No entanto, as mulheres a trabalharem nas secções da fula ou da afinação não ganhavam como os homens dessas secções, mas sim como as mulheres do acabamento. “A empresa tinha lucro com isto porque produzíamos o mesmo e recebíamos menos” explica Deolinda.
“Fomos pedir a diferença ao patrão, mas ele não nos dava porque éramos mulheres”, lembra.
Durante três meses as mulheres continuaram a trabalhar tanto como os homens, a receberem menos 900 escudos por mês. “Para o mês que vem é que é. Trabalho igual, salário igual”, pensavam.
Em Junho de 76, andava a Pequena grávida do filho que para o mês que vem celebra 32 anos, quando as mulheres da fábrica decidiram apertar com o administrador, três meses após a primeira abordagem. “Eu ia à frente, que assim ninguém nos fazia nada”, lembra. “Fomos ter com o senhor Ricardo e pedimos: trabalho igual, salário igual!” conta. “Senta-te Pequena”, foi a resposta que obtiveram do administrador da fábrica.
Durante quase dois dias as mulheres da Empresa Industrial de Chapelaria que não estavam no acabamento, não trabalharam, não produziram, pararam o normal funcionamento da fábrica. Fizeram greve. As mulheres reclamavam o direito que tinham a ser remuneradas da mesma maneira que os homens. A ambos eram impostas as mesmas cotas de produção (cerca de 30 chapéus por dia), o mesmo horário de trabalho e a mesma ausência de subsídio de alimentação.
“Não chegou a dois dias a greve. Foi o suficiente” para o patrão ceder às reivindicações das mulheres da fábrica. “As da costura nunca ganharam o mesmo”, refere Diolinda. Todas as outras, passariam a ganhar tanto como os homens, a quem não seriam diminuídos os salários. “Sem esta greve nunca teríamos os mesmos salários”, afirma peremptória. Passaram a ganhar 2800 escudos, menos de 15 euros actuais. “Ainda hoje é assim na Fepsa”, afirma Deolinda, referindo-se à igualdade de salários no desempenho das mesmas funções. “Fomos nós que abrimos esse caminho”. É Pequena quem fala, orgulhosa.
Depois desta greve, as reivindicações dos operários ganharam força e estes conquistaram ainda o direito ao subsídio de alimentação. “Começámos a puxar, a puxar e lá conseguimos” diz Pequena, relembrando as lutas.
“A chapelaria era uma miséria”
A citação é de Deolinda Silva, referindo-se às condições de trabalho e às diferenças salariais. O LABOR foi à procura de documentação histórica que sustentasse a opinião de Deolinda Silva. Mas para além da memória da operária nada parece ter restado. No arquivo de “O Regional”, de 8 de Maio de 1976, “Os chapeleiros em greve” é o título de uma notícia de primeira página. É referido que “os trabalhadores da indústria de chapelaria entraram em greve no dia 14 de Abril, com base em razões de ordem salarial”. Essa greve parece ter atingido as indústrias do pêlo e da lã e todos os fabricantes. Na edição do Primeiro de Janeiro, de 16 de Maio de 1976, um artigo intitulado “Surto grevista pode surgir” dá conta da dimensão da greve. Fala-se numa “manifestação convocada pelos operários chapeleiros de S. João da Madeira e que se encontram paralisados há mais de um mês”. O facto mais impressionante é descrito como um “sinal de aderência” à paralisação, em que “cerca de quatro mil pessoas oriundas do operariado e não só, apoiaram nas ruas da vila a luta dos trabalhadores chapeleiros, engrossando a manifestação”. Parece não existir registo visual ou documental desta manifestação.
“O Regional” de 22 de Maio do mesmo ano anuncia o final da greve dos chapeleiros, “por decisão dos trabalhadores”. Não ficam, no entanto, a serem conhecidas as consequências da greve, os prejuízos, nem o que lucraram os trabalhadores com isso.
Ao que tudo indica, foi nesta onda de luta por melhores condições de trabalho que as mulheres paralisaram a Empresa Industrial de Chapelaria pouco tempo depois.
Pequena, no seu posto de afinação do chapéu, onde trabalhou durante anos
quarta-feira, junho 25, 2008
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1 comentário:
tiro-te o chapéu também, liliana. está muito bom!
bjoca *ines s.
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